terça-feira, 14 de junho de 2011

Depois do pôr do sol.

Depois do pôr do sol.

Tocou com uma das mãos a parede branca ao seu lado. Sentiu a umidade do ar tentando penetrar pelas paredes do quarto. O sol havia se posto há muitas horas atrás. O sol também havia se posto dentro dela.

A noite se estendia do lado de fora da casa. Densa e fria. O ar pesado a sufocaria se ela tentasse penetrá-la. Neblina. Tinha certeza que, lá fora, não poderia enxergar dois palmos a sua frente. Refletiu sobre as possíveis conseqüências dos seus atos. “O que tenho a ganhar ou perder?” Perder. Não se tratava de perder. Era apenas a verdade que buscava. Por mais que essa pudesse feri-la. Não temia a dor. Não temia os sentimentos que pudessem nascer dela. Assim como não temia ao outro.

Tocou seu próprio rosto com as mãos frias. O sol havia se posto há muitas... Muitas horas atrás. E ela sabia que ele havia se posto dentro dela também.

“Não há mais espaço para dúvidas em mim.” Franqueza. Exigiria apenas a franqueza do outro, posto que tudo o mais lhe seria negado. Posto que tudo o mais se transformaria em expectativa. Expectativas. “Não há mais espaço para expectativas...”

Colocou seu pesado casaco negro que lhe chegava até os tornozelos. Olhou-se no espelho uma vez. Viu sua pele pálida contrastando com seus lábios vermelhos e quentes de certeza. Sua figura branca demais se destacava por meio dos seus olhos. Eram, agora, negros olhos de mulher. Caminhou firmemente até a porta da frente e mergulhou na noite fria.

Caminhou em seu passo certo por entre as ruas. A plenitude. “Existiria mesmo a plenitude? Nessa vida... Antes da eternidade?” Tudo o que havia feito nos últimos meses fora em direção da plenitude. Buscava incansavelmente por si mesma. Por sua felicidade plena. Por sua realidade própria. Em cada gesto seu, havia a certeza. Em cada palavra, a busca. Havia amor. Apenas amor. Era por amor que vivia. Pois amava, que educava. Pois amava, que dedicava suas horas àqueles que não conheciam o amor. Pois amava a si mesma, que se permitia não amar como Homem àquele que seus lábios haviam beijado. Partiria Dele a reciprocidade. Apenas Dele. Cada um é sua própria chave para o amor. Como mulher ela partiria, cabendo a ele apenas o que lhe era devido. Caberia a ele apenas a Humana. Com seu amor humano. Mas a Mulher partiria assim que ele lhe desse o sinal. Era o sinal que ela buscava naquela noite fria.

Seus passos a levavam por caminhos, há muito, conhecidos seus. O calor saía do seu corpo em forma de sopros esbranquiçados. Respirava duramente o ar pesado que a envolvia. A noite era cinzenta e impenetrável. Mas ela caminhava sem receio. Sem medo da noite. Sem medo de si mesma. Não havia mais o medo. Apenas ela. Submergindo-se. Em forma de esferas negras que transformavam seus olhos em abismos. A mesma forma que teria a noite escura.

Ela precisava de um ponto final. Ou da certeza da continuidade. Tudo em sua vida exigia limites. Inícios e fins. Tudo nela exigia a clareza. Exigia a coragem. “A vida toda covarde... E agora a coragem”. Pois que era Mulher, precisava saber se era desejada como Mulher. Visto que, era como mulher, que necessitava ser desejada.

Desejava o pôr do sol todos os dias, pois desejava ver claramente o início e o fim. Necessitava de períodos bem delineados em sua vida. Vivia de constantes renovações. Odiava o meio termo. “As incertezas alheias”. Repugnavam-lhe as meias verdades.

Por isso caminhava. Apenas por si própria que enfrentava, de nariz vermelho e mãos geladas, aquela noite de sábado. “Sábado. O último dia da semana”. Amanhã seria domino. Domingo. “O início de uma semana que se inicia. Sete dias.”

Os cascalhos de asfalto se desprendiam sob a sola das suas botas negras. Negras como o asfalto. Como aquela noite deveria ser, mas era cinzenta e confusa. Turva e nebulosa.

Os gatos não caminhavam pelas calçadas, como de costume. Estavam enrolados em si mesmos nos cantos dos muros de cimento. “Enrolados em si mesmos.” Ela não se permitiria jamais enrolar-se novamente. Deixar-se levar. Era ou não era. Simples assim. Como toda mulher deveria ser. “Mulher.” A única certeza que lhe vinha naquele momento era de que ela era mulher. Adulta o suficiente para a verdade. Faria sempre as perguntas, posto que não temia às resposta.

Procurou por outros passos a sua volta. Certificou-se, por um momento, de que estava sozinha. Era apenas ela. Ela e a noite. Porque o Sol... Esse, havia se posto há muito tempo. E dentro dela também. Há muitos dias, ele havia se posto para ela. Apagando, bruscamente, as luzes (que agora sabia) tão passageiras da expectativa. Das ilusões. Da ingenuidade.

E desde então ela assumira o abismo negro que carregava com sigo. Por isso, não se permitia às incertezas do cotidiano. Já lhe bastavam as próprias. O Seu Sol havia partido. O seu sol havia se posto. Apenas por ela. Para que ela existisse. Para que ela pudesse submergir de suas próprias águas escuras.

Aproximou-se do portão de ferro impenetrável. Gritou o nome masculino que buscava. Gritou mais uma vez. Precisou da terceira vez para que ouvisse o som distante da porta da frente se abrindo. O coração saltou-lhe no peito. “Agora não tem mais volta. Agora vou ter que pular...”

Ele apareceu assim que parte do portão se abriu para ela. Mas ela percebeu que apenas o portão se abria... Ela teve essa certeza. No momento em que pôs seus olhos sobre os olhos dele.

Ainda assim, era necessária a pergunta. E não temeria, de forma alguma, a resposta que, agora, já esperava dele. Respirou com força. “Mais uma vez...” Articulou perfeitamente todas as suas palavras.

Após o educado cumprimento, apesar de simples, a pergunta pareceria a ele um tanto quanto... “Estranha”. Visto que, a Grande Maioria simplesmente não pergunta. Mas ela era Ela. Não a maioria. Por isso perguntou claramente. E apenas uma vez.

Obteve a resposta. Clara, apesar de indireta. “Muito educado da parte dele. Muito educado...” Mas não havia naquele Homem nada mais do que o desejo de estar sozinho. Ela não cabia nos seus planos de vida sem riscos. De uma vida sem o risco Do Outro.

Entendeu os limites do Homem a sua frente. Admirou-lhe, sinceramente, a franqueza.

Com olhos complacentes, ela compreendeu a necessidade que ele tinha de não buscar Nela. Com um sorriso, meio sem jeito, nos lábios vermelhos, agora de frio, ela lhe desejou uma boa noite. Muito educadamente. E muito educadamente, obteve resposta. Girou em torno de si mesma, dando lhe as costas.

“Voltar para a casa... Voltar para casa.” Por meio da noite que a envolveria em pesado manto cinzento e frio. Voltaria para casa com sua própria noite dominante.

O sol havia partido nela há muito tempo. Há vários dias atrás. Por isso não havia em si qualquer sinal de Dor. Porque não carregava expectativas no homem. Pois que havia se posto, ela não mais esperava no outro. Desde então esperava apenas de si mesma.

Era madrugada de sábado. Amanhã seria domingo. “Domingo. O primeiro dia da semana.” Dia de estar ao lado daqueles que se ama. Amanhã estaria com amigos. Ele disse à ela que também estaria. Mas agora não haveria mais dúvidas. E ela seria ainda mais plena. A plenitude, naquele momento, era Saber. E ela soube. Havia tido a resposta proferida claramente dos lábios dele. Dos lábios, que há poucos dias, havia beijado.

Enquanto destrancava a porta da frente da própria casa, obteve parte do esclarecimento que buscava dentro dela.

“O outro questionamento...” Aquele que cabia apenas a si mesma responder. Em quanto despia o casaco, veio lhe a clareza. “Sim! A plenitude também residia ali! Naquele momento de verdade. Naquele momento de coragem...” Por que naquela noite, mais do que nunca, havia simplesmente Sido. Sem se importar com os “apesares”. Clarice tinha razão: “Apesar de, é preciso viver.”

“É preciso viver! Não se pode temer! Não se deve recuar...” Sorriu sem vontade. Tirou as botas e escorregou por debaixo da coberta ainda fria.

Esperaria os cinco minutos que essa necessitava para tirar-lhe do corpo o calor que transferiria de volta à ela. Ela buscava a plenitude... Ela buscaria por mais que temesse serem os cinco minutos dolorosos a verdadeira plenitude. Talvez o posterior sono profundo não fosse a plenitude. Talvez a jornada Valesse Mesmo... Mais que o próprio destino.

Fechou seus olhos e permitiu que a noite a invadisse plenamente. Permitiu que o Sol se posse por completo em sua alma. Ela sabia que seu retorno talvez fosse impossível... Ou, improvável... Ou, pelo menos, para que ele voltasse... Muito lhe seria exigido. A descrença, agora, era mais fácil que o contrário. A imunidade lhe parecia adequada naquele momento. Aquela seria apenas o início de uma longa noite para ela.

3 comentários:

Aliny disse...

O processo de amadurecimento é lento mesmo Dá, e nesse período temos que fazer escolhas ... e nos afastar daquelas pesssoas que não nos fazem bem, pois não nos acrescentam em nada!!!

O sofrimento faz parte do amadurecimento...


" Aprenda a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você... "


Beijos Nega

Damaris disse...

É sim filhota... lento e doloroso. Mas é essencial. E também maravilhoso. No fim das contas, tudo é tão maravilhoso!

Apredi a ser mais racional. A ser fria, quando necessário. A ser mais prática em determinados assuntos. A ver malícia e maldade nas pessoas.

E essencialmente aprendi a me amar. Sobretudo a mim. Dizem que toda essa minha mudança é visível. Quando nos amamos somos capazes de amar e perdoar a todos que estão a nossa volta. Àqueles, que talvez, na visão de todos não merecem. Àqueles que foram tão pouco amados e que nos mostram o quanto somos abençoados.

E a partir de então, passamos a não medir esforços quando se trata de ser realmente quem somos. Verdadeiras, não é nega?! Humanas. E também cheia de defeitos. Mas estaremos sempre crescendo. Sempre. E você sabe do que eu estou falando... Você é uma das pessoas que tenho como referência. Você é uma grande mulher. Uma grande vencedora. Continue sendo sempre assim, essa minha filhota, que apesar de teimosa e de se fazer de durona, nunca mediu esforços para estar ao meu lado quando eu mais precisava.

Eu amo você, Neguinha! Eu amo muito você!

Amanda G. Cardoso disse...

Xuxua lembro daquele dia que não estava conseguindo escrever nada pra vc. Esses dias li um texto da Fernanda Mello e queria te mostrar. Acho que tem a ver com seu texto.

"Pior do que se sentir perdida é perder-se em si mesmo. No emaranhado do que você acredita misturado ao que você é ou era. O que você acredita, apostando corrida com o que você mais detesta. O que você tem, jogando palitinhos com o que você quer. Seu amor e suas dores na linha de chegada e o coração de juiz em dia de clássico.

Eu não sei se você entende o raciocínio de quem não tem raciocinado ultimamente ou se entende o porquê de certas coisas que não se explicam.

Quando a cabeça não pensa o corpo padece. Mas quando a cabeça pensa demais será que nossa alma enriquece?

Você cheio de indagações e de táticas que não fazem o menor sentido. (pelo menos para você ou pelo menos naquele momento).

Suas certezas mudam, suas prioridades deixam de ser prioridades já que você nem sabe mais o que deseja. Até sabe, mas está tão longe e você tão cansado que o mais fácil é deixar que as prioridades te encontrem e você pode fugir do que não interessa. Seus princípios enfraquecidos te cobram uma atitude e você cobra a coragem.

Seus olhos pesam e seu coração já bate fraco. De tanto que bateu a vida inteira. De tanto chorar amor e fracassos. De tanto chorar pelo leite derramado você decide que se entender é complicado demais. O quente queima e o frio é gelado demais, vai o morno mesmo que não causa sensação alguma e no momento você não tem sequer condições de sentir algo. Sentir dá trabalho e trabalho acarreta uma série de responsabilidades. Responsabilidade é chato demais e não aquece seus pés nos dias frios.

Você enfim, opta por decidir somente pelo necessário. Pelo que realmente vai fazer alguma diferença em sua vida e desiste de tentar equilibrar-se, isso é para artista circense e você nem gosta tanto de circo. Melhor deixar assim.

Uma porta de saída e uma de entrada. O que vale fica e o que não vale que valesse. Nada de culpa ou de noites mal dormidas, nada de coração na boca em de frio na barriga.

Certas coisas não se explicam. Não existem palavras que as descrevam ou soluções que as resolva . Sentimentos, gestos, sonhos e sorrisos. A alma entende e a boca cala."