Sentiu pela primeira vez que talvez ele não existisse. Pela primeira vez quando olhou as fotos viu nele o desconhecido que realmente ele era. Ao contrário da primeira vez. Não se tratava mais do sorriso doce, não eram os olhos de menino antes encontrados, se alterava como uma massa embriagada. Perdido. Torpe. Áspero. Fugaz, ligeiramente fugaz de si mesmo. Deixava clara a incoerência com a música que saia da sua garganta. Tão lúcida. Clara. Adulta. Ao contrário da imagem que como num dejavu, refletia imaturidade. Deixe. Talvez queira atingir alguém. Atingiu. Como uma flecha no peito da “desamparada menina”. Ou seria mulher? Menina. Se mulher, não acreditaria em bobagens como essa. Quando mulher cada passo avançará mil léguas.
Mas ainda espera sentada na soleira da porta que um dia ele apareça. Aparece nada. Sabe disso. Mas finge que não. Aguarda que na estrada aponte o moço. O moço. Velho moldado pelos buracos e pedras no caminho. Virá finamente vestido. Como não? Alguns remendos e manchas na roupa-alma, mas tudo bem, nada que seu carinho não pudesse ajustar. Chapéu, sapatos empoeirados e a rosa vermelha nas mãos. Ah... A rosa! Ela não poderia faltar! Aquela que aguardava por tantas paradas, curvas e que nunca aparecera. Dela que sentira falta naquela noite fria em que sozinha voltava pra casa, também nas vezes em que não a encontrou esperando por ela nas rodoviárias, foi por ela que chorou quando depois de uma festa recostou a cabeça no travesseiro. Viu-se só. Sem que ele deixasse sua rosa, e na manhã seguinte a encontrasse tingida de vermelho na fronha ao lado. Não. Ele não a encontraria tão fácil. Soubera se esconder muito bem.
Sem que ao menos percebesse, estava se escondendo. Com medo. Nem ela sabia, mas na verdade sentia medo. Medo de que ele não existisse, ou partisse, até mesmo confundisse seu amor em outra porta. Decidida então, abandonou a velha soleira decidiu entrar e organizar as prateleiras da alma, bibelôs, cada partezinha. Decidiu por aguar as plantas, varrer o chão e colocar uma boa música pra tocar. Espera. Silencia. Ouve. Hoje, como sempre, ela espera, mas agora é diferente. Algo de novo há nos seus olhos. São fortes. Tão tênue e aparente... Doce-fina navalha cortante. Os galhos cresceram fortes, as raízes se espalham firmes.
O moço, aquele do sapato empoeirado, se um dia chegar, terá que bater à porta e limpar os pés no capacho. Ele vai olhá-la nos olhos. Mas e ela? Ela não dirá nada. Não com os lábios. Não importa. Ela lera em algum lugar que se ele for quem ela realmente espera não se deixará intimidar pelo seu silêncio. E sentirá como ela sentira um dia falsamente, e depois traduzira para palavras ao encontrar descrito em um livro: “Como se houvesse aberto uma porta e não soubesse como fechá-la”. Não fecharão. Não será mais preciso.
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2 comentários:
"Sentiu pela primeira vez que talvez ele não existisse. Pela primeira vez quando olhou as fotos viu nele o desconhecido que realmente ele era. Ao contrário da primeira vez. Não se tratava mais do sorriso doce, não eram os olhos de menino antes encontrados, se alterava como uma massa embriagada. Perdido. Torpe. Áspero. Fugaz, ligeiramente fugaz de si mesmo."
Algo parecido com o que vivenciamos a cada dia, seria um ótimo começo a sua espera, ou a espera se vem por essa esfera de ideais quando deixamos de dormir pra não sonhar... E mesmo o outro vindo, pode ser que o momento não fosse o propício, devemos pensar que o menino pode ter vindo tarde demais reclamar suas perdas. E uma nova porta se abre.
"Não sou feliz, mas não sou mudo, hoje eu canto muito mais"
(Belchior)
Eu sei de quem é!=p
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