segunda-feira, 29 de junho de 2009

Aquarela

Se em uma aquarela pudesse descrever a tua face, mil cores transbordariam dela. As palavras. Transformar-se-iam em cores. Eu as jogaria para o alto, e como mágica cairiam lado a lado fundindo-se em mescla. Perfeita harmonia. Como a aquarela de um artista desconhecido. Pendurada no mais esquecido dos salões.
Posso olhar-te daqui. E para aqueles que me vêem, pareço hipnotizada. Presa. Com a impossibilidade de afastar meu olhar das cores e linhas. Os ângulos. E pontos. O mover dos teus olhos. As linhas dos teus lábios. Teus olhos são feitos de vidro. Duas esferas do mais negro vidro. Cintilam as estrelas que por certo roubaste em uma zombaria da noite escura. Abismo negro e profundo. As estrelas como a esfera de prata do hipnotizador. Contornam-me. Enlaçam-me. Como a cobra com sua presa. Cativa das esferas. Agarro-me nas tuas bochechas. Na tentativa de salvar-me desse abismo. Fixo-me nas tuas bochechas vermelhas. Bochechas vermelhas do sol. Do calor. Que invadiu a tua face. Teu corpo. E provoca o mover um pouco mais acelerado das tuas narinas. Imperceptível aos olhos menos atentos. Abrindo e fechando. Abrindo e fechando. Com maior freqüência que o natural.
Mas o contorno dos teus olhos, a tez da sua testa, são ainda lívidos. Não foram ainda afetados pelo calor. Como o mármore intacto. Os primeiros segundos do gelo na bebida quente. As bebidas. Todas as bebidas que um dia habitaram cada um de seus copos. Antes de alcançarem tua boca.
A boca pequena. Linhas finas. Lábios estreitos. E tão bem desenhados. Um sussurro escondido nos cantos. A boca que pede o silêncio e doa o sorriso. É o sorriso por si só. A forma do ângulo perfeito quando se une ao nariz. E ao queixo. E as bochechas. Orelhas. Posso esquecê-las. São belas quando não as notamos. E no desenho ela faz sua parte. Na harmonia dos traços. O pescoço. Melhor não entrarmos em suas linhas e ângulos, pois em particular, é um fraco. É onde se perde a noção do perigo que os olhos alarmaram, dos quais as bochechas me salvaram.
Voltemos ao queixo então. Se é perfeito quando mole ao sorriso, quando rijo e trincado na negação, é provável que se torne irresistível contrariá-lo. Mas minha boca permanece muda. E meus olhos absortos em tua face.
Tua face. Lívida e vermelha face. Seria de cobre. Ouro e marfim. Urucum e pó de arroz. Carvão e giz. A face pintada do palhaço. Do mímico. Da aquarela. Inebriada. Em cores. Limpa. Lavada. Em ângulos e linhas. E se não fosse lavada. E se não fosse tão clara... Como seria a cara? Como será a tua alma? Como seria...se um dia... Soltasse meus dedos. Um a um. E me desprendesse aos poucos das tuas bochechas. Lentamente. Entregar-me aos teus olhos. Abismo. Corredor negro de estrelas. Uma a uma. Caindo. Lentamente. Deixando-as pouco a pouco. Para trás...
Fecho os olhos. Suspiro. Abro-os outra vez. Agora são apenas vozes. E passos ligeiros em busca da porta. Já não há mais porque ficar. Levanto-me também. Rompimento. A quebra. Tudo volta ao seu lugar.

3 comentários:

Amanda G. Cardoso disse...

Sabe xuxua, esse texto está muito, mas muito Edward Cullen. Eu me enganei, ou estou certa???
Parece um capítulo onde a Bella, fica boba com a beleza dele.
Perfeito.
Só que agora menos caliente. Gosto de vc se mostrando caliente.
Hahahahahaha
Amo.

Unknown disse...

Alguns segundos e atravesso a rua. Os carros param. A gente passa. Do outro lado. A outra calçada. Fumaça e frio do lado de cá. Laços avermelhados e sorrisos brandos. Um ou outro olhar atravessa. Mas se interrompem. Do lado de cá as ondas ainda não vistas. Do lado de lá o sol.
Pela manhã os raios que atravessam a cortina. A luz do sol deixa um pouco amarelada as ruas. E do lado de cá não há estrelas. Nem mesmo a lua. Há vozes e não posso me concentrar. Equilíbrio e te encontro ao anoitecer. Vontade de ligar. Mas não. Preciso sentir mais frio.
Há um espaço aberto na cortina branca. Os carros emparelhados e o silêncio constante. O sotaque arrastado que me faz parecer pouco mais longe daqui. Longe de mim mesmo. Inconstância e o mundo girando.
Eles caminham pelas ruas. Círculos. As bolhas brancas e pretas me fazem flutuar. Fumaça por toda a escada. E lá mesmo nós paramos. Todos. Rimos e cantamos de coisas que não faziam a menor graça. Não fazia tampouco o menor sentido. Mas ali estávamos e felizes. Pelo menos é o que parecia ser. E era. Bem na verdade era. A cada canto da sala um novo som. Nova sintonia num ré bem maior que o de antes.
Os pés doem sempre. Os olhos depois se fecham. Poderia a porta se fechar a cada banho. Água quente e perigo dormir com o gás ligado.
Adaptação é a palavra. Não há janelas ao naufrágio. Consigo ver pelo espelho escuro a sombra maior da satisfação. Falta o ar na esquina. Toma o café e passa. Pega outro e te dá sono. De novo cuido de tudo sozinho. Deixo de lado os anseios. Eles é que não me esquecem. Roupas pesadas de frio. Um cobertor novo à vista. De várias cores emparelhadas. Vou sorrir mesmo que não seja assim. O medo se torna maior quando se faz frio.
Metade daquelas pessoas se vão. A festa acabou. O bolo ainda não foi cortado. Show, mas as atrações principais foram canceladas. Vamos até a outra esquina gritar mais alegorias. Põe aqui a moeda e pode passar.

Instituto Visio de Análise e Pesquisa disse...

Caramba!!! É de tirar o fôlego! Bela composição. Lápis são pincéis, a imagem e a imaginação moldam a tela que se desmantela quando a inspiração soa grave ao fim do texto. "Tudo volta ao seu lugar..."